Não dormes sob os ciprestes Pois não há sono no mundo O corpo é a sombra que vestes Que encobrem teu ser profundo. Vem a noite, que á a morte, E a sombra acabou sem ser. Vais na noite só recorte, Igual a ti sem querer. Mas na Estalagem do Assombro Tiram-te os Anjos a capa: Segues sem capa no ombro, Com o pouco que te tapa : Então Arcanjos da Estrada Despem-te e deixam-te nu. Não tens vestes, não tens nada : Tens só teu corpo, que és tu. Por fim, na funda caverna, Os Deuses despem-te mais. Teu corpo cessa, alma externa, Mas vês que são teus iguais. A sombra das tuas vestes Ficou entre nós na Sorte. Não’stás morto, entre ciprestes. Neófito, não há morte. Fernando Pessoa, Presença , nº 35, Maio, 1932.