O rosto mais visível da Gnose Islâmica é, historicamente, o do sufismo (tasawwuf), muito embora outras formas de esoterismo como este coexistam, nomeadamente, o das gnoses xiitas/ismaelitas.
O sufismo pressupõe uma via iniciática, que se exprime na confraria (tariqa), a qual assegura a manutenção de uma cadeia ininterrupta (silsila) de transmissão autêntica de conhecimento sapiencial, mediante o qual é propiciado o efeito irradiante do influxo espiritual (baraka).
O gnóstico (aquele que sabe, ‘arîf), corporiza em grau supremo, os ideais muçulmanos de santidade (walâya), de cavalaria espiritual (futuwwah) e de sageza (hikma). Assim, ao gnóstico pertence a beatitude (sakîna) de quem vive na paz de Deus (Allâh), sendo-lhe permitido, por isso, frequentar o Seu limiar.
As diversas confrarias sufis, que remontam a sua origem ao Profeta Maomé (Muhammad), baseiam-se na iniciação e ensinamento ministrados por cada mestre (shaykh) aos seus aprendizes (murîdûn).
No debate, por vezes demasiadamente apaixonado e parcial, sobre o verdadeiro estatuto da mulher nas sociedades islâmicas, são frequentemente veiculados estereótipos acerca da sua menorização, em todos aspectos da vida colectiva, o que inclui atribuir-se-lhe o baixo grau de protagonismo que, supostamente, teria, mesmo em matéria de religião.
Cumpre dizer-se que esse não é o caso em todas as sociedades islâmicas, nem tal deriva da exegese profunda dos princípios corânicos, devendo-se os fenómenos de distinção de estatuto, em função do género, quando existem, a factores puramente culturais.
Pelo contrário, a pregação de Maomé introduziu uma verdadeira revolução, em plena Idade Média, no que toca à mulher, atribuindo-lhe direitos (herança, divórcio, etc.) que o Ocidente cristão levaria séculos a reconhecer-lhe.
Disse Maomé, com efeito, segundo uma Tradição autêntica (hadith), dirigindo-se aos homens: “tendes direitos sobre as vossas mulheres e as vossas mulheres têm direitos sobre vós”.
Dito isto, será interessante observar-se, ainda que de modo muito perfunctório, o papel histórico da mulher na Gnose Islâmica, não deixando de notar-se, em relação à prática maçónica, que esta, ainda hoje, levanta fortes objecções, na maior parte das obediências, à participação feminina no processo iniciático.
Aquilo que a História nos mostra é que, desde os tempos mais recuados do Sufismo, as mulheres estão presentes nas cadeias espirituais esotéricas do Islão, acedendo ao Mestrado e sendo, elas próprias, frequentemente, as impulsionadoras de novos círculos e vias da Gnose.
Um dos exemplos mais conhecidos é o da grande e célebre sufi Râbi‘a al-‘Adawiyyah (713-801 E.C.). Tendo sido feita escrava, em criança, os seus raptores vieram a libertá-la, posteriormente, dado o evidente grau de santidade que já emanava da sua pessoa.
A sua via foi a do Amor Divino (mahaba) que ela explanou com magistral clareza nos seus aforismos místicos. Fundou o seu próprio círculo, de que foi Mestra, levando uma vida de recolhimento e ascese, rodeada dos discípulos.
A vida de Râbi‘a foi paradigmática, uma vez que serviu de exemplo a todas as gerações posteriores de sufis – homens e mulheres – nos séculos posteriores. Uma das suas máximas mais conhecidas é:
A tua própria existência é um pecado ao qual nenhumoutro se pode comparar.
Com esta controversa afirmação Râbi‘a pretendia chamar a atenção para a indigência ôntica do homem, uma vez que nada existe verdadeiramente fora de Deus. Assim, abandonar a ideia de valorizar o ego, como algo de absoluto, equivale a suprimir a origem e a possibilidade do erro (pecado).
Os ensinamentos de Râbi‘a servem, ainda hoje, de inspiração aos sufis do nosso tempo, incluindo aqueles que são também maçons.
Para concluir, vale a pena mencionar-se o testemunho de Ibn al-‘Arabî de Múrcia, o Mestre Máximo (shaykh al-akbarI) da Gnose Islâmica, e Selo da Santidade (khatm al-awalîa). Refere ele, de entre os sufis que o influenciaram, o nome das mestras sevilhanas Fátima bint al-Muthanna, Shams, conhecida por Mãe dos Pobres, a persa Nizam ou a mequense Zaynab al-Qaliyya.
Afinal, se a Gnose é só uma e jorra do princípio dos tempos, transversal a todas as religiões e civilizações, ela não distingue género, construindo uma Tríade ao pairar sobre a polaridade masculino/feminino.
Disse Annemarie Schimmel, uma grande adepta alemã do sufismo contemporâneo, no título de um dos seus livros magistrais:
Meine Seele Ist eine Frau (a minha alma é uma mulher).