Não temos todos um único pai?
Não foi um único Deus que nos criou?
Porque agimos perfidamente uns com os outros,
violando a aliança dos nossos pais?”
Malaquias 2:10
NATAL : uma abordagem possivel
Não foi um único Deus que nos criou?
Porque agimos perfidamente uns com os outros,
violando a aliança dos nossos pais?”
Malaquias 2:10
NATAL : uma abordagem possivel
A principal preocupação de uma abordagem histórica e metafórica de um texto, e neste caso particular, de um episódio de um Livro Sagrado move-se em direcção a três questões: 1. O que significava aquele texto no cenário histórico em que foi escrito?; 2. Quais as suas raízes?; 3. O que significa aquela narrativa como história, independentemente da sua factualidade histórica?
Enquanto combinação de história e metáfora, a Bíblia relata ao longo das suas páginas, alguns acontecimentos que, de facto, não aconteceram, mas que por este ou por aquele motivo as antigas comunidades de Israel e do movimento cristão preservaram como sendo verdadeiras.
Um primeiro tipo de narrativa metafórica é o relato que combina história e metáfora; e resulta no que poderíamos chamar de “história metaforizada”. Um evento histórico está por detrás do relato, mas a forma como a história é contada dá à narrativa um significado metafórico também.
A maneira como o autor do evangelho de Marcos conta os acontecimentos dos dois homens cegos a quem Jesus deu a visão fornece um exemplo esclarecedor. As duas narrativas dão forma à divisão central daquele evangelho – uma divisão que descreve a viagem final de Jesus a Jerusalém, que contém três ditos solenes sobre a sua iminente morte e ressurreição, e fala do discípulo como alguém que segue Jesus nessa jornada (Marcos 8:27 – 10:45).
No início desta divisão, Marcos coloca o acontecimento do homem cego de Betsaida. Jesus restaura a sua visão em duas etapas. Na primeira, o homem vê pessoas, mas não de uma forma clara: “Estou a ver homens; parecem árvores que andam.” Após Jesus colocar as suas mãos sobre ele uma segunda vez, o homem vê tudo “claramente” (Marcos 8:22-26).
No final da divisão está a narrativa do homem cego, chamado Bartimeu. Ele grita: “Jesus, filho de David, tem piedade de mim!” Jesus pergunta: “O que queres que eu faça por ti?” Em linguagem evocativa, Bartimeu expressa o seu desejo mais profundo: “Eu quero voltar a ver.”. Então: “Bartimeu começou a ver novamente e seguiu Jesus pelo caminho.” (Marcos 10:46-52).
Ao colocar estas narrativas no local onde as coloca, o autor de Marcos dá-lhes também um significado metafórico, mesmo que uma delas ou ambas reflictam uma “história relembrada”: ter a visão restaurada – ver novamente – é ver o caminho de Jesus. Esse caminho, essa rota, envolve caminhar com ele da Galileia a Jerusalém, o lugar de morte e da ressurreição, do fim e do começo. Ver, neste sentido, é ter os olhos abertos.
Desta forma, a maneira como Marcos usa estas narrativas resulta numa história metaforizada. Além do mais, a divisão como um todo fornece ainda um outro exemplo de uma história relembrada e metaforizada. História relembrada: Jesus fez realmente uma viagem final a Jerusalém. História metaforizada: a forma como a narrativa daquela viagem é feita torna-se uma narrativa metafórica sobre o caminho do discípulo.
O segundo tipo de narrativa metafórica consiste em narrativas que são puramente metafóricas. Nenhum evento histórico particular está escondido por detrás delas. Exemplos desta categoria na Bíblia Hebraica são as narrativas da criação e do início da humanidade, exemplos disso são a narrativa a respeito de Jonas e do enorme peixe que o engoliu ou, a narrativa a respeito do sol parado no céu no tempo de Josué. No Novo Testamento podemos encontrar alguns exemplos que incluem algumas das narrativas contadas pelo movimento cristão primitivo a respeito de Jesus – o seu nascimento, a sua caminhada sobre as águas, a multiplicação dos pães e peixes, a transformação da água em vinho, etc.
A decisão sobre se devemos ver ou não uma narrativa como sendo puramente metafórica envolve dois factores. O primeiro centra-se nos elementos presentes na própria narrativa. A narrativa aparenta estar a relatar algo que aconteceu, ou há sinais dentro da narrativa sugerindo que ela dever ser lida simbolicamente? As narrativas israelitas do início do mundo contêm muitos desses sinais, e as narrativas a respeito de Jesus mencionadas fazem também uso de temas simbólicos extraídos da Bíblia Hebraica.
O segundo factor envolve um julgamento sobre o que podemos chamar de “os limites do espectacular”. O entendimento comum moderno de milagres, aceite tanto por aqueles que os aceitam como por aqueles que os negam, pressupõe um entendimento do universo como sendo um sistema fechado de leis naturais. Milagres são entendidos como sendo intervenções sobrenaturais de um Deus “lá em cima” num sistema natural de causa e efeito e de uma forma completamente previsível. Não aceitando esta forma de pensar a respeito da relação de Deus com o universo, evitamos o termo “milagres”. “O espectacular”, por outro lado, refere-se simplesmente a eventos que vão para além do que nós pensamos ser possível.
Sendo assim, a questão sobre se há “limites para o espectacular” seria: “Há coisas que nunca acontecem em nenhum lugar?” - Enquanto pensamos a respeito desta questão, é importante não colocar-mos limites muito estreitos ao nosso campo de visão. Mais coisas são possíveis, e mais coisas acontecem, do que uma visão moderna do mundo permite.
O reconhecimento de que a Bíblia contém tanto histórias quanto metáforas tem uma implicação imediata: as antigas comunidades que produziram a Bíblia frequentemente metaforizavam a sua história. Na realidade, esta é a forma pela qual eles vestiam as suas narrativas de significado. Mas nós, especialmente no período moderno, temos frequentemente transformado as suas metáforas em histórias. Para dizer a mesma coisa de forma um pouco diferente: eles frequentemente davam um sentido mitológico à sua história (para poder expressar um significado), enquanto nós temos tido a tendência de dar um sentido literal à sua mitologia. E quando se dá um sentido literal a uma metáfora ou a um mito, o resultado é o absurdo. Por outro lado, quando se reconhece uma narrativa metafórica como tal, o resultado é uma narrativa poderosa.
A Bíblia Hebraica consiste nas narrativas do antigo Israel e do seu relacionamento com Deus. O Novo Testamento consiste nas narrativas do antigo movimento cristão e do seu relacionamento com Deus revelado em Jesus Cristo.
Estas narrativas não são apenas a respeito do relacionamento entre o divino e o humano no passado. Elas são também sobre o relacionamento entre o divino e o humano no presente. A forma como a narrativa do Êxodo é usada na celebração judaica do Pessach (“Páscoa”) todos os anos ilustra bem isso. Na liturgia que acompanha a refeição do Pessach, são ditas as seguintes palavras:
“Não foram apenas os nossos pais e as nossas mães que foram escravos do Faraó no Egipto, mas nós, todos nós reunidos aqui esta noite, fomos escravos do Faraó no Egipto. E não foram apenas os nossos pais e as nossas mães que foram libertados do Egipto pela poderosa mão de Deus, mas nós, todos nós reunidos aqui esta noite, fomos libertados do Egipto pela poderosa mão de Deus.”
O que significa dizer que “nós” (e não apenas os nossos ancestrais) fomos escravos no Egipto e que “nós” fomos libertados da terra de escravidão por Deus? (Isso, claro, no caso dos judeus que usam essa liturgia na noite de Pessach). Não significa que estivessem lá nos corpos dos seus ancestrais ou que os seus genes ou o seu DNA estivessem presentes. A narrativa do Êxodo é entendida como sendo verdadeira em cada geração. Ela apresenta a escravidão como um constante problema humano e proclama a vontade de Deus de que sejamos libertados da escravidão. A narrativa da escravidão de Israel no Egipto e a sua libertação por Deus é, assim, uma permanente história verídica sobre o relacionamento entre o divino e o humano.
Tendo em consideração o que foi escrito anteriormente, existe uma grande necessidade para os leitores contemporâneos da Bíblia de se moverem de um certo pensamento pré-crítica e através de um pensamento crítico para um pensamento pós-crítico.
Num estado de pensamento pré-crítico aceitamos como verdadeira qualquer coisa que uma figura de autoridade na nossa vida, seja ela qual for, nos diz ser verdade. Neste estado (se crescemos num cenário cristão), simplesmente ouvimos as narrativas da Bíblia como histórias verdadeiras.
Num estado de pensamento crítico, consciente ou inconscientemente, examinamos o que aprendemos anteriormente para depois avaliar o que devemos reter. Há realmente fadas? Os bebés são trazidos por cegonhas (se é que ainda dizem isso às crianças)? A criação aconteceu realmente em apenas seis dias? Adão e Eva foram de facto pessoas reais?
Como pensadores críticos da cultura, a maioria de nós não ouve as narrativas da Bíblia como histórias verídicas – ou pelo menos a sua veracidade tornou-se suspeita. Precisamos de fé para acreditar nelas, e a fé torna-se, deste modo, numa atitude de acreditar em coisas que alguém normalmente rejeitaria.
Num estado de pensamento pós-crítico ouvimos as narrativas bíblicas como histórias verdadeiras, mesmo sabendo que elas podem não ser de facto verídicas e que a sua verdade não depende da sua factualidade. Tomando como exemplo as narrativas do Natal, o pensamento pós-crítico consiste na habilidade de ouvi-las mais uma vez como sendo narrativas verdadeiras, apesar de sabermos com razoável segurança que os elementos básicos da história não sejam historicamente factuais.
O pensamento crítico na forma de criticismo histórico vê a história da concepção virginal de Jesus como uma continuação do tema de nascimentos especiais da Bíblia Hebraica. Ele está ciente de que a narrativa da estrela especial e dos magos que trazem presentes não é história, mas certamente e, quase de certeza, a criação literária de Mateus baseada em Isaías 60.
Num estado de pensamento pós-crítico, sabemos que a verdade das narrativas de nascimento estão nos seus significados como narrativas metafóricas. Usando tanto imagens bíblicas quanto imagens religiosas arquétipas, as narrativas de nascimento falam sobre o significado de Jesus e sobre o relacionamento entre o divino e o humano.
Apesar do movimento de um pensamento pré-crítico para um pensamento crítico ser inevitável, não há nada de inevitável em nos movermos para um estado de pensamento pós-crítico. Podemos ficar presos ao estado de pensamento crítico toda a vida, como um significante número de pessoas no período moderno ficaram. O movimento inicial em direcção ao pensamento crítico é frequentemente experimentado como libertador, mas se alguém permanece nesse estado década após década, tornar-se-á certamente um lugar muito árido e estéril para viver.
Caminharmos em direcção a um estado de pensamento pós-crítico é uma tarefa de todos e será também, certamente, uma das maiores tarefas no nosso tempo enquanto aprendemos a ler a Bíblia usando uma abordagem histórica e metafórica.
Colocadas todas estas premissas e feita esta pequena… longa introdução, podemos situar a História do Natal, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Cristo, quando o caçador errante começava a dominar a agricultura e o regresso dos dias mais longos era um augúrio de colheitas mais abundantes.
O Solstício de Inverno, que na tradição judaico-cristã assumiu o nome de Natal, representava para estas populações um ponto de viragem das trevas em direcção à luz, e o "renascimento" do Sol era um motivo de esperança e augúrio de um novo ciclo, de renovação e de fertilidade, de esperança e de renascimento.
Na Mesopotâmia, a celebração do Solstício durava 12 dias e o fim do ano era marcado pelo despertar de monstros terríveis combatidos por Marduk. Durante as festividades, um homem era escolhido para ser tratado como rei por um dia, para depois ser sacrificado e levar consigo todos os pecados do povo.
Os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Na China, as homenagens eram prestadas ao Yin e ao Yang, conceitos presentes no mito da criação da terra e da humanidade, segundo os quais, através do equilíbrio dinâmico destes dois conceitos acontece todo o movimento e toda a mutação(1).
Na Grécia, o solstício era o tempo de prestar culto a Dionísio. Na Grã-Bretanha, o Solstício celebrava-se em Stonehenge, à volta do qual ainda hoje alguns milhares de pessoas se reúnem para celebrar o solstício.
Nas civilizações nórdicas, o Yule – marcado para o dia 21 de Dezembro – marcava e marca ainda o regresso do Sol. Para celebrar esta mudança, grandes toras de madeiras eram amontoadas para a construção de grandes fogueiras. Simbolicamente e através das labaredas da fogueira estes povos assumiam uma representação de um tempo de novas colheitas(2).
Na Índia e na Pérsia, a Luz era representada por Mitra (“o Sol Vencedor”). Heródoto e Estrabão afirmaram Mitra como um Deus-Sol, tendo por emblema um sol radiante. Plutarco conta que o culto de Mitra foi para a Sicília levado pelos piratas do mar.
Em escavações feitas no solo italiano, foram encontradas placas de barro solidificadas com a seguinte inscrição: “Deo Soli Invicto Mitrae”, lembrando o deus dos persas. Niceto escreveu que certos povos adoraram Mitra como o deus do fogo, outros como sendo o Deus-Sol. Júlio Fírmino Materno disse que Mitra era a personificação do deus fogo, enquanto Aquelau considerava-o o Deus-Sol. São Paulino descreveu os mistérios de Mitra como sendo os de um deus solar e redentor. Karneki, Rei hindo-escita, no começo de nossa era, mandou cunhar moedas em que se vê a efígie de Mitra dentro de um sol radiante. Mitra era ainda representado com um disco solar na cabeça, segurando um globo com a mão esquerda.
A partir do séc. II o culto a Mitra era certamente um dos mais importantes do Império Romano, possuindo diversos santuários.(3) Os seus ritos transformaram a religião do deus numa teologia de Mistérios, onde os rituais iniciáticos tinham um cariz extremamente importante. A data da natividade de Mitra (25 de Dezembro) foi retomada pela natividade de Cristo, ambos nascidos numa gruta. Assim, a gruta ou caverna passaram a ser o local de eleição dos rituais em honra de Mitra. Um deles era a taurobolia, ou sacrifício do touro. Nesse rito iniciático, regido pelos signos do Zodíaco, estavam presentes os símbolos do Sol e da Lua:
«a imolação do touro realiza-se na caverna, encontrando-se presentes o Sol e a Lua. A estrutura cósmica do sacrifício é indicada pelos doze signos do zodíaco ou pelos sete planetas e pelos símbolos dos ventos e das quatro estações»(4).
Mitra, no seu carácter solar, e à semelhança de Cristo, foi denominado de Sol Invictus. É de acrescentar que os Mistérios de Mitra se dividiam em sete etapas relacionadas com os planetas, aspecto que valoriza a importância desses planetas, nomeadamente do Sol e da Lua. Cada um dos sete graus era protegido por um planeta: corax por Mercúrio, nymphus por Vénus, miles por Marte, leo por Júpiter, perses pela Lua, heliodromus pelo Sol e pater por Saturno. As relações astrais encontram-se claramente ilustradas nos mithrea de Santa Prisca e Óstia. O culto do Sol Invictus tornou-se universalista, assim como os cultos solares de Apolo-Hélio, Mitra e Baal. O imperador Constantino, antes de se converter ao Cristianismo, foi também um adorador do culto solar.
Na Grécia, o culto do Sol existia desde longa data, nomeadamente em Corinto e em diversas pólis do Peloponeso. O Sol, conhecido por Hélio, teve a sua melhor representação em Rodes, cujo santuário, segundo testemunhos arqueológicos, atestam o «mais famoso e mais importante, sem dúvida, foi o da ilha de Rodes, onde existiam, entre 280-260, o “Colosso de Rodes”, gigantesca estátua de Hélio que se tornou uma das maravilhas do mundo antigo.» (Burkert, 1993) (5)
O hino de Hélio faz parte dos hinos homéricos (século II a.C.) e é composto por 15 versos onde surge a personificação do Sol através da figura de Hélios. Posteriormente, no século V, Hélio é assimilado pelo deus Apolo (outrora um deus lunar), tornando-se a divindade da luminosidade e da claridade. Contudo, essa personificação de Hélio, cuja carruagem era puxada por cavalos, e onde, iconograficamente, surge a figura do Sol, deve procurar-se em representações ainda mais antigas. A mais ancestral, remonta à Mesopotâmia e Suméria que, desde muito cedo, assinalaram essa presença do Deus Sol deslocando-se na sua carruagem(6).
Deste modo, na manhã de 24 de Dezembro, os romanos comemoravam o nascimento do Sol Invicto, “Natalis Solis Invcti” (Nascimento do Sol Invencível), numa clara alusão ao alvorecer de um Sol novo, o nascimento de Mitra(7). No entanto, esta não era a única comemoração durante este tempo forte, entre os dias 17 e 24 de Dezembro, ocorriam também em Roma um outro tipo de festas, as Saturnálias, festas em homenagem a Saturno, que através da subversão da norma social vigente tinham como objectivo uma renovação de valores.
As analogias entre as tradições pagãs e os valores cristãos são múltiplas e diversas, constatando-se mesmo uma grande proximidade entre os significados atribuídos a Cristo e a algumas divindades antigas às quais era prestado culto. Contudo, e apesar de todas estas festividades pagãs em torno do solstício de Inverno, a verdade é que os cristãos dos primeiros séculos não festejavam ou conheciam o Natal, a importância maior era dada à Páscoa da Ressurreição de Cristo. Páscoa essa que representava e representa um momento capital na tradição judaico-cristã(8) e dos texto bíblicos, com uma carga simbólica de sacrifício que tocava mais fundo no coração aos cristãos do que o nascimento de Cristo, envolto em dúvidas e imprecisões. Em 245, Orígenes recusava ainda a ideia de festejar o nascimento de Cristo, "como se fosse Ele um faraó". Assim, é apenas já, em pleno século IV, com Constantino(9), que num almanaque romano (336) existe a primeira alusão à festa do nascimento de Cristo por alturas do solstício de Inverno.
De facto, só em 354, com o Papa Libério (17 de Maio de 352-24 de Setembro de 366) a Natividade foi instituída a 25 de Dezembro, suplantando deste modo a festa pagã do deus Sol, "Dies natalis invicti solis", celebrada no solstício de Inverno. Deste modo, a Igreja ressaltava que a verdadeira luz que ilumina todo homem é Cristo e a celebração do seu nascimento na carne humana é a solenidade própria para afirmar a autêntica fé no mistério da Encarnação do "Verbo", solenemente afirmada nos quatro concílios ecuménicos de Niceia, Éfeso, Calcedónia e Constantinopla(10).
A celebração da Natividade a 25 de Dezembro passou deste modo a ser um dos momentos mais importantes de todas as celebrações cristãs, contudo, as tradições mais antigas nunca foram abandonadas, nem desapareceram do imaginário e do quotidiano das populações. As prendas das Sigilárias(11), substituídas pelas oferendas dos reis Magos e a luz do Sol, substituída agora por uma nova "Luz do Mundo" trazida pelo nascimento de Cristo(12), são dois importantes vestígios desses tempos longínquos, cujas primeiras imagens são, sem dúvida, as dos primeiros caçadores errantes que dominaram a agricultura e cujo o regresso de dias mais longos era sem dúvida um augúrio de colheitas mais abundantes.
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1. O Yang como principio activo (diurno, luminoso, masculino) e o Yin como o principio passivo (nocturno, escuro, feminino).
2. Gerry Bowler, Santa Claus: A Biography, McClelland & Stewart, EUA, 2005.
3. A maior parte eram câmaras subterrâneas, com bancos em cada lado, raras vezes eram grutas artificiais. Imagens do culto eram pintadas nas paredes, e numa delas aparecia quase sempre Mitra a matar o touro sacrificial. Mary Beard, John North, Religions of Rome, Cambridge, EUA, 1998.
4. Cf. Mircea Eliade, História das Ideias e Crenças Religiosas, vol. 1, p. 95.; vol. 2, p. 273.
5. Wilson Alves Ribeiro Jr., “Sobrevivências de Antigas Comunidades de Caçadores no Hino a Hélio”,http://warj.med.br/pub/pdf/helios.pdf, p. 2.
6. Natália Maria Lopes Nunes, O SOL E A LUA, Lisboa: IELT/UNL-FCSH.
7. Em Treveris foram encontradas várias figuras de Mitra e a semelhança com as representações cristãs do Menino Jesus são bastantes. Joseph Campbell, As máscaras de Deus: mitologia ocidental, tradução Carmen Fischer, São Paulo: Palas Athena, 2004.
8. Uma palavra aqui para a tradição judaica, que de facto não celebra o Natal. Na cultura judaica a tradicional árvore dá lugar a um candelabro, em que os judeus acendem uma vela todas as oito noites que dura a celebração, velas essas que vão sendo colocadas num candelabro de oito braços designado por "Chanukia" ou "Menorah". O ritual completa-se na última noite, quando estão acesas as oito velas, recordando desta forma o milagre do pequeno jarro de azeite ocorrido após a vitória dos judeus na batalha que os opôs aos gregos. O "Chanukah", que em Israel se inicia normalmente no dia 25 do mês do calendário hebraico "Kislev" (correspondente a Dezembro), comemora a restauração da soberania do povo judeu, na altura sob o domínio dos gregos, que queriam converter a nação à cultura helénica. Reza a história que quem se recusasse a adorar os deuses gregos ou insistisse em praticar os ritos judaicos era morto, mas, sob a liderança dos Macabeus (clã que comandou a revolta), o templo e a cidade de Jerusalém acabaram por ser libertados do domínio grego. Depois de os expulsarem, os judeus recuperaram o templo de Jerusalém e quando se preparavam para lá acender uma "Menorah" verificaram que só tinham azeite para mantê-la acesa durante um dia. Contudo, e segundo a história do milagre, o azeite acabaria por durar oito dias, dando aos judeus tempo suficiente para produzir novo azeite puro para iluminar o templo (do qual apenas resta o que se conhece hoje como Muro das Lamentações). É para celebrar este milagre, que simboliza a vitória dos judeus sobre os seus inimigos, que durante o "Chanukah", nos lares e sinagogas se colocam velas na "Menorah", noite após noite, até estarem as oito velas acesas.
9. Em 313, o Édito de Milão deu ao Cristianismo (e a todas as outras religiões) o estatuto de legitimidade, atribuindo um status legal ao cristianismo assim como reconhece o princípio da liberdade de crença. Conhecido também como Édito da Tolerância, declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda a perseguição sancionada oficialmente, especialmente do Cristianismo.
10. Esta data apareceu primeiro nas igrejas do Império Oriental (de tradição grega), que também marcaram o dia 6 como o dia da Epifania ("manifestação"), que no Ocidente corresponde à visita dos Reis Magos. A Festa Ortodoxa da Natividade tem por isso início na Véspera de Natal (6 de Janeiro) e termina com a Festa da Epifania. A Natividade é celebrada deste modo pelos cristãos ortodoxos na Europa Central e de Leste e um pouco por todo o mundo a 7 de Janeiro, por causa da diferença do Calendário Gregoriano – 13 dias depois dos outros cristãos. No leste, a Natividade é precedida de 40 dias de jejum, que começam a 15 de Novembro. Este é um tempo de reflexão, contenção pessoal e cura pelo Sacramento da Reconciliação.
11. Sigilárias - de Sigillaria, as festas das imagens, em que se ofereciam estatuetas como presente e se decoravam as casas com verdes, para além de se darem prendas às crianças e aos pobres. Correspondiam ao fim do ano romano.
12. Na Bíblia existem várias referências ao simbolismo de Cristo como "sol de justiça" (Ml 3,20) e "luz do mundo" (João 3, 19-21; 8,12), o que tornou de algum modo mais fácil a cristianização das festas pagãs, para além de que foi na colina do Vaticano que se fizeram as primeiras festas de Natal: era nesse local que também tinham lugar os rituais e oferendas às divindades orientais (Mitra, e outros cultos solares...) Mary Beard, John North, Religions of Rome, EUA: Cambridge, 1998.
Na tradição captada por São Lucas (2, 4-7), o nascimento de Jesus aconteceu em Belém de Judá, a terra do rei David, de cuja linhagem era José, o esposo de Maria. Nos Evangelhos afirma-se que Maria "deu à luz um filho e [José] pôs-lhe o nome de Jesus" (Mt 1,25) e que Maria "teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria" (Lc 2,7). O Livro da Infância do Salvador, dependente do influente Protoevangelho de Tiago (séc. II), coloca em relevo a virgindade de Maria e, conta que, tendo chegado a Belém, José procurou um sítio para ela dar à luz. Viu um estábulo solitário e estabeleceu-se lá. E foi em busca de uma parteira. Por outro lado, e segundo o Evangelho do Pseudo-Mateus, o nascimento de Jesus terá ocorrido numa gruta onde contou com a presença de um boi e de um burro.
A vaca e o jumento junto da manjedoura conforme representado nos presépios, resulta de uma simbologia inspirada em Isaías 1:3 que diz: "O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não têm conhecimento, o meu povo não entende". Não há nenhuma informação fidedigna que prove que havia animais junto do recém-nascido Jesus. A menção de "um boi e de um jumento na gruta" deve-se sobretudo como já foi referido a alguns Evangelhos Apócrifos.
De facto, o nascimento de Cristo terá ocorrido cerca de dois anos antes da morte do Rei Herodes, considerando que este morreu no século 4 a.C., Jesus só pode ter de facto nascido no século 6 a.C. No Evangelho segundo São Mateus podemos ler que, antes de morrer, Herodes mandou matar todos os meninos de Belém com menos de 2 anos de idade, conforme o tempo que de que se havia certificado com os magos. (Mateus 2:1, 16-17).
Segundo os Evangelhos, antes do nascimento de Jesus, Octávio César Augusto decretou o recenseamento - este recenseamento, ordenado no tempo do cônsul Públio Sulplício Quiríno "governador da província imperial da Síria." (Lucas 2,1-3 - O termo grego vertido para "governador", significa "a liderar" ou "a cargo de". Pode por isso referir-se a um "governador territorial", "governador de província" ou "governador militar". As evidências apontam que nessa ocasião, Quiríno fosse um comandante militar em operações na província da Síria, sob as ordens directas do Imperador.) Sabe-se também que os governadores da Província da Síria durante a parte final do governo do Rei Herodes foram: Sentio Saturnino (de 9 a.C. a 6 a.C.), cujo sucessor, foi Quintilio Varo. Quirínio só foi Governador da Província da Síria, em 6 d.C. O único recenseamento relacionado a Quirínio, documentado fora dos Evangelhos, é o referido pelo historiador judeu Flávio Josefo como tendo ocorrido no início do seu governo - de todos os habitantes do Império, cada um na sua cidade natal. Motivo que terá obrigado José e Maria, obedecendo ao decreto de Octávio César Augusto a viajar de Nazaré (na Galileia) até Belém (na Judeia), local onde, Maria terá tido o seu filho primogénito. Lucas diz que no dia do nascimento de Jesus, os pastores estavam no campo guardando seus rebanhos "durante as vigílias da noite" . (Lucas 2:4-8) Ora, de facto, os rebanhos saíam justamente para os campos em Março e recolhiam nos princípios de Novembro, levando-nos a situar temporalmente o nascimento de Cristo provavelmente entre Março e Novembro.