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Circulação da Palavra

Será a circulação da palavra um mero ressoar de doces ou amargos sons? Ou um entretenimento de jogos linguísticos mais ou menos vazios? Será necessário pensar ou meditar para usar e fazer circular a palavra?

Hoje falamos, por vezes, por falar. Alguns manifestam mesmo a compulsão por falar ininterruptamente. Somos avessos e intolerantes para com o silêncio. Mas é no silêncio que sentimos o nosso dedo mindinho tropeçar no ramo da acácia. É no silêncio que observamos a unidade da romã. É no nosso silêncio que conversamos com a multidão que em nós pernoita e isso nem sempre é agradável!

Guardar silêncio por cinco anos era a exigência dos iniciados na escola Pitagórica. Mas porquê esta disciplina? Porquê o silêncio? Guardamos silêncio para evitar simples tagarelices ou gastos inúteis de palavras vãs, que pouco enriquecem ou enobrecem a atmosfera e o pensamento em Loja. Estar sobre a Acácia e conversar com o Mestre é beijar a linha imaginária que nos lembra: “cala-te ou diz alguma coisa que valha mais que o silêncio”.

Na maçonaria exigimos aos aprendizes a abstenção de falar nas sessões. Como sabemos o aprendiz apenas soletra, por isso não sabe falar no mundo em que acaba de entrar. Mas abster-se de falar não significa proibição em falar. A livre expressão e livre pensamento sempre foram uma marca da nossa obediência, por isso o que o aprendiz não pode é falar sobre assuntos que não digam respeito ao seu grau, principio este válido para todos os irmãos. O silêncio não é uma exigência apenas para o aprendiz, mas uma disciplina observado por todos os maçons, nas sessões rituais ou fora delas. Manter silêncio é apenas uma porta para pensar, reflectir, ouvir a nossa própria consciência. Mas há momentos que a palavra não pode, nem deve ser evitada.

A palavra, em maçonaria, não só expressa e comunica pensamentos e emoções, mas é um instrumento subtil de reconhecimento dos maçons entre si, da sua regularidade ou do seu grau. Nas sessões de loja a palavra preenche todos os tempos e ritmos de todas as colunas. Os maçons reúnem-se em loja para proferir palavras e realizar acções. Mas o uso e circulação da palavra em loja, por aparente contradição, é rigidamente controlada, só podendo ser usada em momentos estipulados no respectivo ritual.

A circulação da palavra venera a cortesia, o apreço pelos irmãos interlocutores e vive-se na liberdade de opiniões e aceitação das diferenças. Não há discussão, nem diálogos no sentido profano dos termos. Não se contradita, afirma-se, expõe-se, confia-se na clareza, precisão e justeza dos argumentos para construir em nós e nos outros múltiplos caminhos que em liberdade e responsabilidade optamos percorrer.

A palavra leva-nos na direcção invisível, desperta-nos! Por isso, a utilizamos de pé e à ordem e frente ao oriente! A noite dá-nos tempo para meditar e o dia luz para iluminar a palavra. A simbólica do usar da palavra de pé, frente ao oriente, indica ao Maçom que quando quer afirmar através da palavra, deve fazê-lo com compostura, meditação, zelo, contenção e a dignidade que o homem livre e de bons costumes coloca no acto de falar em loja e em todos os actos da vida.

Não podemos usar e abusar da palavra, em sessão. Para cada assunto, não mais de três vezes nem mais de três minutos, aconselham os mestres! Falar pelos cotovelos não será pois um apanágio de maçom. Como jocosamente alguns irmãos vão lembrando, os cotovelos são uma arma perigosa que deve adormecer no mais profundo do ser Maçom.

Como pedreiros, usamos luvas brancas nas mãos, mas é nosso dever usar luvas na linguagem, para aparar a rudeza do falar, evitando feridas ou ressentimentos capazes de minar a maior e melhor Harmonia de um grupo.

A palavra circula nas sessões no sentido dos ponteiros do relógio. Saindo do Oriente, passa pelo Sul, Norte, volta novamente a Oriente, retornando às colunas sempre que tal se justifique.

Em loja há quatro Oficiais que falam sentados, por razões litúrgicas, são eles as três Luzes e o Orador. Poderão igualmente falar sentados os irmãos que por direito próprio se sentam no oriente. Na circulação da palavra não toma parte o Venerável ou melhor não deve tomar, pois se o quiser fazer, deve deixar o altar e tomar o lugar do orador, tendo-se feito substituir pelo 1º vigilante. Lembremos que o Venerável simboliza o poder e ao tomar parte na circulação da palavra perde este capital simbólico assim como deixa de dirigir e direccionar os trabalhos e arrisca-se a tomar partido o que acabará por corroer a confiança e a unidade no comando da loja. O venerável deverá por isso estar acima de eventuais dissensões, falando sempre em último lugar, pois é a Autoridade da Loja, mas em matéria de legalidade maçónica a última palavra cabe ao Orador.

A palavra é franqueada após a leitura do balaústre, cabendo aos vigilantes zelar para que os trabalhos sejam executados na perfeição e ao Orador verificar eventuais atropelos à ordem de trabalhos ou qualquer outras ilegalidades. Por isso qualquer proposta, requer a consulta do orador de modo a que este a aprecie, do ponto de vista de vista da lei maçónica e considere ou não importante a sua discussão em loja.

Deixo, intencionalmente a dimensão regulamentar da circulação da palavra para o ritual, reafirmando que a principal finalidade da circulação da palavra é a busca da LUZ! E essa nem sempre se alcança quando aplicamos o adágio popular da «discussão nasce a luz». Na loja não se tenta convencer ninguém, expomos ideias e pensamentos com amor e tolerância. A palavra coabita então com o silêncio, deixando a cada irmão a construção de uma sabedoria do silêncio, como nos recorda Fernando Pessoa:

- Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.
- É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases dos dias.
-És melhor do que tu.
Não digas nada sê!
Graça do corpo nu
Que invisível vê.

Não nos iludamos. Todos nós, em muitos momentos, somos pobres em pensamentos. Em qualquer templo a ausência de pensamento é hóspede sinistro que tem a liberdade de entrar e sair sem aviso, deixando marcas muitas vezes sem o mais leve sinal da sua passagem.

O homem contemporâneo está em fuga do pensamento e essa é razão da sua ausência de pensamento. Mas o homem de hoje nega activamente esta ausência de pensamento. Estou seguro que todos os que me escutam estão prontos para afirmar o contrário... Dirão, vivemos na sociedade do conhecimento, onde investigação e ciência moldam o nosso dia. Mas esse pensamento será sempre indispensável, mas terá sempre um carácter especial, é um pensamento que calcula. Em Loja acontece pensamento, jorra de cada um de nós, quando o espírito está livre e o formalismo da circulação da palavra é a liturgia que o alimenta e desencadeia.

A palavra semeia, sem saber que flor ou fruto dará. Mas a colheita é sempre uma nova criatura, um novo templo.

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